sábado, 21 de julho de 2012

China: “reencontro com o Ocidente”


Por Matheus Pinheiro Teutschbein


A China atualmente é um dos países de maior crescimento econômico do mundo. Possui uma cultura milenar, que vinculava autoritarismo e vida comunitária, mesclada a uma revolução que parecia indicar um novo modelo social para os países do Terceiro Mundo. Porém, hoje se depara com o capitalismo ocidental e seu individualismo, seu consumismo e suas desigualdades.
O caminho a ser trilhado pela China neste século será decisivo na conformação da nova geopolítica internacional do século XXI. Essas mudanças, contudo, não se dão sem conflitos: o “socialismo com mercado”, como é oficialmente denominado, aparece conjugado a dura repressão política e ao reavivar das desigualdades econômicas, reforçando assim a grande diversidade geográfica e cultural do país.
Mas os efeitos da entrada do capitalismo já são bem claros. A possibilidade de formar sua própria empresa acaba por acirrar a competição, acentuar as desigualdades e por fazer proliferarem os mercados.
É muito contraditória a visão que os dirigentes chineses possuem da “modernidade” (capitalista) em implantação no país. Ora o capitalismo é útil para o progresso da humanidade, ora é o veiculo da “população espiritual do Ocidente”. Essas contradições se manifestam não só no nível político-ideológico, mas também na dimensão espacial.
Já existem hoje 2 milhões de assalariados vinculados ao capital estrangeiro, e 10% da economia chinesa se deve a iniciativa privada, incluindo milhares de pequenas empresas. Pequim, enquanto capital do país, pode ser vista como um espelho dessa Nova China. As redes de tevê, transmitindo dali para todo o país, encarregam-se de defender a ideologia da modernização via “socialismo com mercado”.
O impacto desse mundo ocidental e capitalista, associado a ingenuamente pela massa de migrantes, na maioria camponeses, ao mundo “livre e moderno” das cidades e da costa chinesa, leva ao acirramento das desigualdades sociais. Estas se reproduzem especialmente em pelo menos dois grandes “recortes”, que é o tradicional confronto campo-cidade e, especifico da China, a desigualdade entre leste e oeste, as províncias do litoral e as do interior.
Mesmo reconhecendo a velocidade das transformações recentes, da rede estatal e/ou capitalista modernizadora que penetra gradativamente no território, é inegável que as condições rural-urbanas são uma das bases ainda nítidas que reproduzem/fortalecem a desigualdade social.
Primeiro porque, assim como no resto do mundo, a transformações ou a “difusão de inovações” tendem a serem muito mais rápidas nas áreas urbanas. Porém, a modernização do campo, dada a elevada densidade demográfica e o reduzido tamanho das propriedades, em muitos casos seria mesmo contraproducente. Não só pelo provável desemprego, como também pelos problemas ecológicos e a consequente queda de produtividade que poderia provocar.
Talvez mais importante ainda seja a herança cultural tradicional extremamente arraigada entre os camponeses, onde a “modernidade” em termos de conquista efetivada autonomia e construção do individuo continua em grande parte um mito, ou um indicador da “poluição espiritual do Ocidente”, como ainda pregam muitos quadros do partido.
O distanciamento campo-cidade soma-se hoje o enriquecimento de alguns camponeses, estabelecendo a desigualdade no interior das zonas rurais, especialmente nas regiões mais atingidas pelas transformações econômicas no sul do país. O problema não é o enriquecimento desses camponeses, e sim a burocracia do partido e o súbito enriquecimento de muitos de seus funcionários, que fazem crescer ainda mais as desigualdades ás custas de contribuições ilegais e da divisão dos bens públicos, gerando assim a revolta dos camponeses.
A China foi o primeiro país dito socialista a iniciar seu processo de abertura e reforma econômica e hoje é um dos últimos bastiões da ditadura comunista. Por ter sido instigada pelo “modelo” dos tigres e do próprio Japão, com quem sempre disputou a liderança regional, que a China promoveu seu “capitalismo vermelho”.
O projeto de formação de uma “zona econômica da Grande China”, embora rechaçado pelo ministro chinês do comércio exterior, vem gerando discussões acirradas. A maioria dos chineses ultramarinos emigrou na segunda metade do século XIX e no começo do século XX, instigados pelos problemas políticos e sociais e pela projeção imperialista em outros países da Ásia. Mais tarde, a invasão japonesa de 1937 e a revolução comunista foram decisivas para a migração, especialmente dos que compunham a burguesia local, hoje são incentivados a retornar a China em campanhas promovidas pelo próprio governo chinês.
Mesmo antes da abertura da China Popular os chineses ultramarinos já constituíam uma fonte de renda muito importante para o país, pois os negócios entre suas empresas e o governo chinês injetavam bilhões de dólares na economia.
Autores como o cientista político Zaki Laidi (1992) considera que a estrutura bipolar da antiga “ordem” mundial se baseava numa relativa coerência entre “a capacidade de produzir sentido e a de gerar a potência”, hoje seriamente contestadas. Dessa forma, o atual sistema internacional seria complexo, volátil e ambivalente, gerando um “relaxamento da ordem mundial”. A idéia de potencia torna-se cada vez mais precária, num mundo de fluxos imateriais e desterritorializados.
Em relação à realidade chinesa a sua emergência como pólo regional, diante do peso crescente do Japão, Laidi se refere a um processo também simultâneo de harmonia e desintegração. O fracionamento interno do país, especialmente coma criação das zonas econômicas especiais, impede os países ocidentais de terem uma atitude mais global em relação à Pequim.
Toda essa “vocação” de potência regional numa era de crise e transição da ordem mundial insere a China num emaranhado de combinações interestatais e de processos econômicos onde as relações com o Japão talvez sejam a de maior relevância.
Muito já se falou da especificidade do espaço e da civilização chinesa, um povo ainda consciente de sua riqueza cultural e do legado que poderia representar para a própria reavaliação da modernidade ocidental.
Uma das consequências da crise da modernidade ocidental nas ultimas décadas foi o giro para o pensamento e a prática de vidas orientais, coincidindo com o sucesso do capitalismo japonês e dos tigres asiáticos. Mais do que uma “conquista ocidental do outro lado do mundo”, fato que economicamente já vinha se dando desde o século XIX, com a era Meiji japonesa e o colonialismo das “portas abertas” chinesas, o que se viu no Oriente foi uma espécie de amalgama entre sua tradição cultural e princípios sociais e econômicos americanos e europeus.
Durante as décadas de 70 e 80 assistiu-se no Ocidente a uma expansão geralmente mecânica e simplista de elementos do pensamento oriental que, a partir de movimentos precursores como o dos hippies nos anos 60, acabou envolvendo frações importantes da chamada classe média. Essa difusão veio acoplada a uma crise de valores generalizada e a uma recuperação de correntes irracionalistas e místicas, muitas vezes ignorando todo o legado positivo da modernidade, especialmente o projeto de autonomia do individuo e da sociedade.
A China, em seus múltiplos espaços, se depara com os paradoxos de diferentes diálogos e conflitos: Ocidente e Oriente (modernidade e tradição concomitantes, socialismo e capitalismo). Muitas são a redes e os territórios que se interpenetram, colocando em questão, o tão propalado universalismo da modernidade.
Os chineses muitas vezes tendem a idealizar o Ocidente e supervalorizar alguns componentes como o individualismo, a racionalidade e a sociedade de consumo, justamente elementos que hoje estão sendo questionados por muitos defensores dessa modernidade.
O temor de que, sem filtragem, a modernidade capitalista arrase a cultura e o espaço chineses não é destituído de sentido. A ocidentalização que se projeta a partir da costa em direção ao interior mais remoto, onde a entrada do turista estrangeiro e a televisão são os veículos mais eficientes dessa difusão, pode fazer tabula rasa de todo um passado milenar e uma diversidade cultural que a ditadura e o nacionalismo, apesar de tudo, não destruíram. A sociedade civil chinesa, embora nesse ponto de vista tenha poucas chances concretas de conquistar sua autonomia, não pode perder esta nova e talvez derradeira oportunidade de reelaborar a prática e os preceitos ditos ocidentais de mundo.
A China assimila antes de tudo a dimensão econômica, capitalista, da modernização, justamente sua face mais problemática e questionável. Mesmo legados mais positivos da modernidade, como o projeto de construção da autonomia social e individual, devem ser repensados quando transpostos para as sociedades orientais.
Enfim, para onde vai a China? A ditadura política parece combinar com a abertura aos investimentos capitalistas estrangeiros. Talvez se cumpra a profecia de Mao Tsé-tung fez antes de morrer:
“Vocês estão fazendo a revolução socialista e não sabem onde está a burguesia. Ela está dentro do Partido Comunista – são aqueles indivíduos que estão no poder e que tomam o rumo capitalista”.


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